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Café da manhã

Primeiros raios de sol. D. Josefa já de pé preparava o café.
Patrões. Não deixava que nada faltasse à mesa para não desagradar seus patrões, que logo mais estariam ali.
De repente surgiram passos na escada àquela hora.
-Bom dia, senhora. Já de pé?
-Bom dia, Josefa; na verdade, nem dormi. Que noite péssima!
- A mesa ainda está incompleta. Não esperava a senhora tão cedo; vai querer suco ou café?
-Não sei; tanto faz. Aliás, prepare-me um chá calmante daqueles que só você sabe fazer.

Josefa notou a expressão de angústia e o rosto desfeito da sua senhora. Não era aquela criatura viva que descia as escadas cantarolando todas as manhãs. Por que mudara assim da água para o vinho? A empregada quis dar início a uma prosa, quem sabe, a patroa triste desabafasse, mas se conteve; não ousaria tamanho atrevimento. Na cozinha, tentou ligar os fatos em seu pensamento: enquanto vivia sua insônia na madrugada, Josefa ouviu passos ligeiros e desesperados no corredor e depois gemidos abafados. Sentiu que sua senhora sofria. Brigaram?! Não podia ser. Como?! Não houve discussão entre eles naquele quarto, ia com estes questionamentos quando se dirigia à sala levando na bandeja o precioso líquido para a sonâmbula.
Sala principal. Ela, debruçada sobre a mesa, tinha os olhos fixos na cesta de frutas. A ultima vez que mergulhara numa tristeza foi quando soube que não poderia dar ao marido um filho tão sonhado. Seria o fim do casamento? Ele, frente ao imenso espelho, dava os últimos ajustes na gravata.
Assim que serviu sua senhora Josefa virou-se para cumprimentá-lo:
-Bom dia ,senhor.
-Muito bom dia dona Josefa Maria, respondeu sorrindo, enquanto ajustava sua gravata de seda.
-Hoje vocês me surpreenderam tão cedo. Volto já com o café.
-Tudo bem. Hoje não tenho pressa, disse ele.
O marido resolveu sentar-se na cadeira do outro lado da mesa, ficando de frente para a mulher. Aquela distância impedia que esboçasse qualquer espécie de contato físico com ele.ali estaria seguro. Quando ergueu a cabeça,viu-a com o olhar agora fixado nele, e a sua mão direita mexia a xícara do chá ainda quente; talvez esse fosse seu ultimo recurso: o olhar. Mirava-o insistentemente como se ainda cobrasse dele: “vim em busca de amor”, mas ele continuava indiferente a tudo. Saboreava torrada.
O silêncio da sala tinha clima de velório, e a imagem daquela estatua viva diante dele o sufocava. Não suportou aquele ambiente e gritou Josefa para trazer o jornal. Enquanto o café não chegava, ele folheava as páginas, sem interesse; na verdade, não queria ler, a sua intenção era esconder-se naquele amontoado de papel. Como um flash, a cena dos dois na madrugada dominava seus pensamentos. Era uma guerra silenciosa.
Não suportou mais: o homem se levantou, verificou as horas e deu a última sacudida no terno. Resolvera não esperar o café. Precisava abandonar aquele espaço hostil; então tomou à pressas a pasta que estava sobre o sofá e se dirigiu à porta. Puxou a maçaneta, mas, antes de ganhar a rua , parou. Como dizia um velho amigo:”fazemos muitas paradas na vida”. Depois de remexer seus pertences, retirou um bloco de rascunhos e voltou ao assento da mesa. A mulher ainda tinha esperança. Ansiosa, viu seu marido escrever uma frase curta com letras bem expressivas , destacar a folha e deixar sobre a mesa o bilhete que dizia NÃO ME ESPERE PARA O JANTAR.
Por Alex Silva
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