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Lutando limpo



Depois daquela refeição gostosa, há aquela coisa chata para fazer. Vi a faca emporcalhada de manteiga, o coador cheio de borra e muito farelo de pão na mesa nua e sabia quem me esperava. Sempre me perguntei qual seria a razão de usar toalha de mesa e por que pão de sal esfarela tanto, mas isso não importa agora. Pois é, eu adoro comer, mas, sempre que acabo, fica aquela sujeira desagradável. Pior ainda é limpar a minha própria sujeira. Como eu odeio lavar prato!
Já na cozinha, de frente para aquele adversário chato de derrubar, me preparo para o combate. Dava até para ouvir o locutor nos apresentando para a platéia que me observava com atenção: “Do lado esquerdo, pesando 57 quilos e usando um pijama azul, Roque ‘El Lavador’ Borba! Do lado direito, pesando 80 quilos e usando calções de aço inox, Piah ‘Aguaceiro’ Tramontini!”.
Só de pensar nisso, me deu vontade de socar o pretendente à Lombardi antes de partir para a minha luta. Comecei o embate. Ele lutava sujo, mas eu era um lutador ensaboado. Parti para cima do adversário sem dó. A cada jab com a esponja cheia de detergente o deixava mais atordoado. Quando apliquei o gancho do desengordurante, ele foi à knock out. Venci, derrotei e me consagrei. Eu continuo mandando. Sou o dono da casa, que a sujeira insiste em tomar. E que venham a revanche e os desafiantes.


Por Mário Fausto
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Testamento


Para alguém que não sei
Deixo um toque de atabaques, um solo de Miles outro de Coltraine.
Um arco íris negro, minha foto de árabe, outra dos Filhos de Ghandy
Ao Nelson Maca deixarei um verso inacabado, que possa ser reescrito
Com cantos novos do HIPHOP pintado nas paredes da Lapa
Pelos sprays de Tito Lama, Marcos Costa
E que a poeta Vida fale no páteo interno
Com a ajuda do coro dos loucos
E louco como talvez seja, deixo ao Maurício
Um terno desses que uso nas formaturas
Para lá de cima vê-lo como mestre de cerimônias da esquina
Na posse da diretoria da Grã Cruz da Ordem dos Badameiros
Para todas as quem amei, meu melhor carinho
E um caderno no qual não escrevi minhas tolas impressões
Sobre cada dos seus perfeitos beijos ou desejos
Que minha cegueira não permitiu perpetuar
Aos inimigos deixo o desconforto da possibilidade
De que possa voltar e azedar suas noites atrapalhando-os na hora H
Para Horácio Daomé e a Xurica Angola
Uma pequena poupança de quiabos, melancias e mamões
Para permitir-lhes vida alimentarmente tranqüila até seus fins
Pois casa já possuem naturalmente
Aos que gostam de mim de novo poesia
Escondida deles todos esses anos, mas que reunirei num fabuloso compêndio a ser lançado ao lado de Sobô, Ymoja, Azanssu, lá do monte mais alto
Entre todos os Kavionos na Nação de DAN
E para você leitor toda completude que nunca consegui: afã
E que não contem com minha morte nem hoje nem amanhã!


Por Carlos Limeira

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Quero dizer bem dito
Como um chute na bunda do barradão
Que continuo BAÊÊÊA
E a fazer versos
Mesmo quando acham a palavra pífia
E assumo um grito que atravesse não apenas novembro
Haja vista, que maio como me lembro
É uma primavera de delírios...
Votarei com minha consciência, crença
E amo mesmo assim o vermelho
Apesar de vê-lo muitas vezes desatento
Como a menina em frente que não sorri para mim
Mas sem remorsos continuo a fazer Letras
E muitos perguntam: por quê?
Ou o que faço aqui
Coitados
(não sabem o que acontece toda sexta)
Não sabem de Clarice, Rodrigues, Lopes,
Rudival, Pámela, William, Mário, Denisson,
Andréa, Deise Lispector, Emanuelle, Laís,
Sulamita, Milena, Alessandro, Aline, Gilberto e Jamile
Presentes!
Nem do quanto aos vinte e sete se pousa um olhar na neblina...
Com meus cabelos brancos
Ando as voltas com o HIPHOP
Porque é belo e explode em simples HAPortagem
Desconsiderando o medo, a sede, a sorte
Hoje há uma crise econômica
O amanhã não deverá ferir o futuro
Como disse Chico: "apesar de você, amanhã há de ser
Outro dia"
Acredito
Pois a Terra amanhecerá depois destes versos pretensiosos
Cheia de razões para uma nova poesia.

Por José Carlos Limeira
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Saudações, caras leitoras. Como em toda semana, Romário está aqui, no canal de notícias favorito de vocês. Sabe, vocês tem de fazer tanto por nós, cuidando da casa, dos filhos e da comida para nos dar espaço para fazer o que quisermos e pensamos que com esse espaço de perguntas, vocês ficariam um pouco satisfeitas, afinal, mulher adora falar e muito. Como de costume, recebi muitas perguntas a respeito do universo masculino e me impressionei com o e-mail enviado pela leitora Reginalda Alves, que mandou diversas perguntas em uma única mensagem. Como sempre, respondi a todas elas e espero ter ajudado. Siga abaixo as perguntas e respectivas respostas:

-Por que os homens não urinam sentados?
Porque o pênis fica resvalando na latrina e isso pode causar uma infecção. Uma vez infeccionado o dito cujo, sua sagradíssima vagina também pode ser contaminada. Desse modo, conclui-se que mijamos em pé simplesmente por questão de carinho e cuidado com vocês.

-Por que os homens, mesmo levantando as tábuas, urinam fora dos vasos?
Porque o pênis não tem mira a laser. E não falamos aqui só do xixi, ok?

-Por que os homens sempre deixam um pelinho na borda da latrina?
Porque culpa da tal Lei da Gravidade.

-Por que os homens não sabem onde fica o “ponto g”?
Sabemos sim. Fingimos ignorância só por pirraça. Afinal, vocês insistem naquela “raspadinha de dente” na hora do sexo oral. Precisamos dar o troco de alguma forma.

-Por que os homens pegam vídeos eróticos sem história?
Porque filme de sacanagem não é pra ter história. Putaria é putaria, cinema é cinema.

-Por que os homens tem tesão por meninas com uniforme de escola?
Porque está cientificamente comprovado que o uniforme de colegial fica melhor em meninas do que em idosas, homens, ursos e anêmonas.

-Por que os homens querem ir pra cama no primeiro encontro?
Tradicionalismo. A primeira transa deve ser na cama. Nada de elevador, escada de incêndio ou outros lugares do tipo.

-Por que os homens vão embora logo depois de fazer sexo com a gente no primeiro encontro?
Porque o encontro acabou. Em caso contrário seria casamento. Certo?

-Por que os homens acreditam quando a gente finge que goza?
Vamos mudar a pergunta: quem é mais esperto, quem aproveita e goza pra valer, ou quem finge e não tem prazer algum?

-Por que os homens gostam de chamar a gente de “minha putinha” na hora do sexo?
Que tal “excelentíssima senhora”? Mais excitante?

-Por que os homens detestam beijar a gente quando estamos de batom?
Da próxima vez que estivermos fazendo a barba, daremos um beijo daqueles, com a cara bem cheia de espuma. Aí vocês falam se gostam.

-Por que os homens se masturbam mesmo quando são casados?
Jogo é jogo, treino é treino.

-Por que os homens estão sempre ajeitando o pênis nas calças?
Porque temos pênis. Ou vocês nunca ajeitam o peito no sutiã?

Como já disse, espero ter ajudado. Então, caras amigas, voltem para seu serviço. Um abraço do amigo Romário e continuem a acompanhar o Canal Deferente, uma ejaculação de notícias.

N.E. – Devido a uma enorme quantidade de palavras chulas nas perguntas, as mesmas tiveram de ser censuradas.


Por Mário Fausto

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Sexta

O dia amanhecerá célere
Buscarei o traje branco
Acenderei no caminho incenso
Até o café, rápido, mas denso
Destravarei cadeados e portas
Concentrado naquele carro velho
Pega bateria arranque aos troncos
Faço feitiço, força
Lavo rápido a louça
Quase não passo em frente ao espelho
Para não perder um precioso tempo
Rumo através do centro
Da cidade velha, cheia de mágoas
Até ver Oxum no meio das águas
E outros Orixá, guerreiros e doces
Cruzo através das rotas
Fechando algumas, abro outras portas
E Ondina é um grito
E o Instituto, prostituto rito
É o touro de mármore e bronze
Onde muitos passam dos seus chifres longe
E vou a trezentos e treze onde me esperam cantos
Onde me faço e sou assim tanto
E renasço pleno e sou poeta
E nos revisito, expressão e grito
E por fim é sexta:
De Oxalá
De Cássia
Da Gente
Do Texto
Do Bem
E que assim seja
Pelo semestre
Pelas Letras
E para sempre
Amém!


Por Carlos Limeira
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Da boca contrita


Esfregou os olhos com as costas das mãos, lutando para se livrar do resto de sonho que lhe pendia das pálpebras. Testou os músculos, ainda dormentes, descobrindo, sem muita surpresa, que o cansaço e as dores ainda persistiam; corria da penumbra da noite como corria da imensidão do dia. Esticou o corpo, apoiando os pés no ferro de frio perene que marcava o fim da cama, “ou ali seria o começo?” Nunca sabia de onde começavam e terminavam as coisas.
Já não era mais menina. Subitamente, a vida explodiu entre seus dedos, e sem aviso prévio passou a trilhar os caminhos de adulta. Não tardou a se machucar: Descobriu que o mundo era maior do que aquele abarcado pelos seus olhos. Para um mundo tão grande, julgou-se infinitamente pequena. A agonia e inquietação passaram a ser as únicas conhecidas que encontrava em cada esquina. Malditas esquinas, tudo tão familiar! Os caminhos que antes a conduziam, agora a aprisionavam. Os sonhos, eternos sem-terra, alojaram-se no céu estrelado de sua boca, moradia só habitável na juventude, quando o amargo dos anos ainda não contaminou tudo. Mas os sonhos eram tantos e se multiplicavam tão rapidamente que, antes que pudesse impedir, teve sua garganta ocupada, criando um embolo que lhe dificultava a respiração. Por excesso de sonhos, passou a arfar. Logo, viu os antigos companheiros de caminhada se tornarem estranhos. Em bifurcações diversas, as mãos se desenlaçaram e os olhares, quando se encontravam, não se reconheciam mais. Para onde eles caminhavam, ela não queria ir. Para o destino que traçava para si, não queria companhia. Entre o passado morto e sepultado, e o futuro ainda embrião, abriu-se espaço para a solidão.
Ela, que antes de acostumara ao dia-a-dia linear e simples, via-se impossibilitada de alimentar a vida. Desejou desfazer-se dos inúmeros cortes que teimavam em não cicatrizar, quis abandonar as bagagens, voltar a ser feto. Ela buscava esterilidade e indiferença, os astros devolviam-lhe chibatadas e queimaduras. Expulsa de si, enxergou-se retirante sem rumo, mirando todo o mundo em busca das respostas para seu íntimo. Criava unhas para cravar algo em que pudesse se apoiar, via tudo em que sempre acreditou, se desfazer em pó e nada mais; em sua íntima desordem, precia o desespero. Trilhou todos os caminhos tortos que é de direito a todo homem e mulher que nessa terra finca os pés, sem encontrar em nenhum deles o viço necessário para manter-se viva. De certeza, só as horas terríveis que passava em companhia do nada e do silêncio, a casa vazia sufocava, cheia, enraivecida. Não ousou pedir misericórdia ao Deus-pai-todo-poderoso, sentia-se indigna dos pedidos de fé, não iria confidenciar a Ele o mal-estar de sua vida, não pretendia desaponta-lo, como fizera com si mesma. Liquefez-se e entre os dedos, deixou-se escapar; ela só era, que não a pedissem para estar.
No meio de tanto barulho e confusão, sentiu o cansaço escorre-lhe dos ombros, sentiu os braços enfraquecerem e a carne das pernas tremerem, tamanho o peso que carregava. Uma tonelada de desassossego.
De batalha em batalha, o guerreiro descansa. Deitou o corpo na cama e cobriu-se displicente, não há armadura quando o inimigo só se vê no espelho. Dormiu, um sono de horas, um sono inquieto. Agora, findo o espanto do sonho, o teste da dor e já desperta, fitava o teto. Curvou o tórax sobre o corpo, em um instante da eternidade, um silvo agudo no ouvido. Girou o corpo e com um suspiro breve, tocou os pés no chão.

Por Pamela Moura
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Estação Pirajá 2



Quatro saídas; vários destinos. Lapa, Barra, Comércio, Pituba, Ondina. As pessoas se misturam, se estressam, se encontram, se despedem. Menino, mulher, homem, mendigos; cachorros. Imperialismo (x-burguer); tradicional (acarajé). Fila, fila, filas... em linha reta, triangular, em espiral, a escolha é vasta. Ônibus chegando, gente correndo. Empurra-empurra, palavrão... um conhecido!...me dei bem!”_fala um espertinho. Barra três, sete horas, já arrastando...” vou pegar esse!”_ gritou um desesperado, observadores solidários o incentivam: “Corre! Corre! Pára! Pára!Pára!”Parou. Porta do meio aberta...” Não dá mais!_ Grita um apressado. “ Eu só quero botar um pé! Botei!”A alguns metros, após sair da estação, motorista pára ônibus, abre a porta da frente, quem está pendurado no meio, vem para a frente, entra. Foi. Engarrafamento. Campinas, BR, Vasco, Bonocô, Garibaldi. Dorme-se, acorda-se, dorme-se e nada... nada de chegar ao destino...ônibus quebra, pessoas descem. Esperam, esperam e esperam... chega outro. Mais aperto
“Licença! Licença! Vai descer?! Se não vai sai!” Chega-se ao ponto final da longa viagem de vinda... agora, agora é só se programar para a volta....

Por Uilians Souza

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Estação Pirajá 1


Ouço a fala. Barulho e confusão narrados. Curioso fico com esse lugar tão longe da minha casa.
Ouço casos variados, de choros de crianças até blitz de soldados.
Onde será que fica este lugar?
Eu nunca fui lá mas, pelo que ouço, concluo:
Quem vai lá, PIRA JÁ.

Por Mário Fausto
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Campos de Morangos



Campos de morangos não são para sempre.O pensamento me veio de repente: morangos.É claro que eu precisava de morangos para o bolo.Sorri com a idéia, como se ir comprar morangos à noite fosse um prazer secreto, descoberto por mim.Quando me dei conta, estava me perfumando, escolhendo com cuidado o que vestir. Tudo para meu furtivo encontro noturno com os morangos.Saí ansiosa, sem saber exatamente se os encontraria. Se estariam maduros.Se me sorririam de volta. Se meus trocados bastariam para comprar o direito de tê-los.A caminhada pareceu mais longa do que o comum.O trajeto que eu sabia de cor, tantas vezes percorrido no mau humor matinal, no escuro no entanto parecia maravilhoso. Calçadas vazias, o vento frio, poder ouvir meus próprios passos: toda a impossibilidade da manhã floresceu para mim de noite.Tudo culpa dos morangos.As luzes do supermercado pareceram mais brilhantes do que o habitual.A noite exerce poder até mesmo ali: pessoas fazendo compras tranqüilamente; maridos sozinhos entre as prateleiras; mulheres pacientes na eterna pesquisa de preços.Nenhuma criança, nenhum engarrafamento de carrinhos.Só outros adeptos do prazer que eu acabava de descobrir, escolhendo devagar o que levar para casa.Eu no entanto não precisava escolher - logo vi meus morangos. Bonitos, vermelhos - a embalagem plástica criminosa, escondendo o cheiro deles de mim.As pessoas passavam, alheias aquela beleza.Encantadas, talvez, por uma lata brilhante de leite em pó. Ou um mamão.Um iogurte, um salame, desinfetante?Percebi, tranquila, que aquela não seria minha última ida noturna ao supermercado. São tantos romances possíveis. Essa era minha noite de morangos. Mas amanhã, quem sabe.Levei satisfeita meus morangos para casa. Sabia - antes mesmo de abrir a embalagem - que os maduros, vermelhos, estavam por cima para esconder os pequenos defeituosos, verdes, murchos. Reais.Um pouco triste, cortei todos em pedaços tão pequenos que ninguém jamais desconfiaria da imperfeição dos meus morangos.Mas a paixão é efêmera:abri o armário e ri quando percebi.Agora eu precisava era de açucar.


Por Marina Brasileiro Sant' Ana.